domingo, 19 de julho de 2015

Brechtiana (Em memória de Abdias), de Nei Lopes

BRECHTIANA
(Em memória de Abdias)
Primeiro,
Usurparam a matemática
A medicina, a arquitetura
A filosofia, a religiosidade, a arte
Dizendo tê-las criado
À sua imagem e semelhança.

Depois,
Separaram faraós e pirâmides
Do contexto africano -
Pois africanos não seriam capazes
De tanta inventiva e tanto avanço.
Não satisfeitos, disseram
Que nossos ancestrais tinham vindo de longe
De uma Ásia estranha
Para invadir a África
Desalojar os autóctones
Bosquímanos e hotentotes.
E escreveram a História ao seu modo.
Chamando nações de "tribos"
Reis de "régulos"
Línguas de "dialetos".
Aí,
Lançaram a culpa da escravidão
Na ambição das próprias vítimas
E debitaram o racismo
Na nossa pobre conta.
Então,
Reservaram para nós
Os lugares mais sórdidos
As ocupações mais degradantes
Os papéis mais sujos
E nos disseram:
- Riam! Dancem! Toquem!
Cantem! Corram! Joguem!
E nós rimos, dançamos, tocamos
Cantamos, corremos, jogamos.
Agora, chega!
(Nei Lopes)

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